sábado, 27 de agosto de 2011

O que é uma boa fotografia?


Algo para pensar e discutir junto a profissionais da Arte, uma lição da professora e jornalista Simonetta, que nos ensina muito.




O QUE É UMA BOA FOTO?
POR SIMONETTA PERSICHETTI
Como definir o que é boa imagem? Quais os critérios? Será apenas bom gosto, ou
então existe alguma regra de composição?
Será que a boa fotografia é fruto apenas de um modismo e de uma decisão
‘ditatorial’ de alguns (poucos) que se autodenominam formadores de opinião?
Algumas imagens permanecem na memória como imagens ícones. São exemplos
de boa iluminação, de boa composição, de bom conteúdo, enfim, exemplos de
‘boa fotografia’. Outras, a principio sem grande valor, se transformam com o
tempo, têm seu sentido e significado alterados e passam a fazer parte da historia
da fotografia, ou pelo menos de parte dela.
Definir o que seria uma boa fotografia pode parecer, à primeira vista, tão tolo como
discutir se a fotografia é ou não é arte: uma questão sem fundamento, ou com
fundamentos demais, pois pressupõe conhecimento profundo da sintaxe, da
gramática e das especificidades da linguagem fotográfica. Podemos pedir as mais
variadas pessoas para que definam o que é uma boa fotografia, ou digam quem
seria o verdadeiro criador da linguagem, e teremos respostas tão díspares que
não conseguiremos traçar nenhum quadro, nem muito menos chegar a alguma
conclusão.
Por outro lado abster-se de analisar o assunto é empobrecer e restritivo, e em
alguns casos nos impedem de criar alguns conceitos e de estabelecer as normas
estéticas da nossa época: “o que pode parecer em um primeiro momento, uma
questão ociosa, traz em si possibilidades de reflexões interessantes, se não a
rejeitarmos e investigarmos a complexidade, a variedade e a flutuação dos vetores
que atuam na construção do julgamento de uma obra fotográfica”, nos lembra Luis
Humberto, foto jornalista e importante teórico da fotografia no Brasil. “Uma boa
fotografia não existe por si só, mas sim em função das diversas avaliações que a
partir dela são geradas por diferentes visões pessoais e/ou culturais”, arremata.
Decidir se uma imagem é boa ou não envolve também juízo de valor, conceitos
estéticos que não podem ser abandonados nem estudados, situações e analises
do momento em que a fotografia foi feita.
O fotografo e o editor de fotografia Eduardo Simões é bastante sucinto em sua
definição: “toda fotografia tem uma utilidade, seja ela meramente fruição estética
ou utilidade aplicada. A fotografia será sempre boa se atender essas questões”.
Nem sempre. O discurso da imagem se altera com o tempo, a fruição estética
também. Fotografia altera sua mensagem: uma fotografia boa agora pode ser
completamente datada e se perder em apenas algumas horas, enquanto outras
sobrevivem: “o tempo age a favor da imagem. Situações aparentemente sem
importância ao serem documentadas com o tempo podem ganhar significado, Se
a nossa ‘boa fotografia’ resistir com o tempo, ela vai se tornar ‘a’ fotografia”,
comenta a curadora independente Rosely Nakagawa. “O trabalho de Chico
Albuquerque, por exemplo, poderia ser para a época, a melhor dentro das
possibilidades. Mas, com o tempo, se tornou referência para muitos fotógrafos
mais como exemplo de criatividade do que como resultado técnico”, diz ela.
Luis Humberto concorda: “uma fotografia, tal como qualquer outra forma resultante
de um processo de expressão, ao passar pelo crivo de sua contemporaneidade
vai facilmente transitar por um universo de mesquinharias que, eventualmente,
poderão impedir uma avaliação justa da sua importância. Ao superar o tempo às
razões pragmáticas que lhe deram origem, a fotografia pode sobreviver por suas
qualidades essenciais, transformando-se, então, em uma referencia atemporal”.
Falar somente em estética também é perigoso. Não existe um conceito universal
do que é ou não estético. Para piorar, temos o terrível hábito de ligar estética
somente à beleza (Qual beleza? Quem define o que é belo?) e, além disso, a algo
sem conteúdo, como se estética não tivesse intencionalidade, mensagem e
discurso, nem – o que é mais sério – ideologia.
Mas não é bem assim. Em seu livro Convite à Estética, Adolfo Sanchéz Vasquez,
professor titular da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Nacional
Autônoma do México, define estética como “a ciência de um modo especifico de
apropriação da realidade, vinculada a outros modos e com as condições
históricas, sociais e culturais em que ocorre”. Para ele, portanto, é uma relação
entre individuo e a realidade, como uma ciência de atribuição de significados e
não meramente fruição de prazeres. Ou como algo que não se explica e apenas
se sente – algo que beira a superficialidade, como nos quer passar a idéia os ‘pósmodernos’
de plantão, que acaba transformando mensagem e conteúdo em
simples modismo: “existe um movimento, uma tendência, uma sinceridade de
idéias e impressões interpretadas na fotografia. A moda e a publicidade, por
intermédio de seus lideres, criam uma estética que acaba por influenciar outras
marcas e agencias, consolidando um modismo. Quantas vezes, durante um
briefing, não se escuta:’essa é a referência’, ou ‘esta foto é tipo tal’ Isto é a
demonstração maior de que existe uma clara apropriação de enquadramentos,
cores e temas ditados pelos lideres criativos, sejam eles fotógrafos, editores ou
diretores de arte” , afirma Chico Lowndes, editor e produtor executivo.
Mas a questão é permanecer: quem são estes “lideres criativos” (que não criam,
mais sim se apropriam – para não dizer copiam – do que já vem pronto) e o que é
uma boa fotografia? A fotografa de publicidade carioca Márcia Ramalho tentar
responder, embora saiba que essa não é uma resposta fácil: “uma boa foto e uma
boa foto de publicidade são duas coisas completamente diferentes. Uma boa foto
de publicidade não é necessariamente uma boa foto. Alias em geral nunca é. Se
você seguiu o beifing, se foi fiel ao layout e, se você é considerado um bom
fotógrafo, então há muita chance de ter executado uma boa foto de
publicidade”.Até aqui está claro, mas Márcia inverte a história: “pena que ela tem
90% de chance de ser banal, inexpressiva, ser ‘mais uma’. Fotos de publicidade,
em geral, são releituras de releituras, quando não são cópias de cópias, ou seja,
não conseguem retratar outra coisa senão o lugar comum, o famoso ‘déjà vu’. Ou
ficam engessadas pelas inúmeras exigências do bienfing, ou são datadas, porque
obedecendo a modismo”. Ta bom, mais e a boa foto em geral, Márcia, como ela
define? “Pode ser tanta coisa,uma boa foto às vezes é tão simples como um copo
de água, ou então um determinado encontro de linhas ou cores ou texturas, ou
plano sem um instante de extrema plasticidade”. Ainda está vago, vamos insistir:
“ela pode ser a expressão cruel e dramática da realidade, pode ser o retrato
pungente de uma época, pode ser uma brilhante colagem de sentimentos, a quieta
simplicidade de um beijo e ainda a calada eternidade de uma paisagem. Pode ser
qualquer coisa, às vezes é simplesmente nada. É aquela foto que, quando você
olha faz bem para sua alma”. A descrição de Márcia se aproxima da síntese feita
por Eduardo Simões. “Li outro dia no caderno Mais da Folha de SP uma frase que
me chamou atenção: ‘lixo é apenas alguma coisa fora do lugar’.. Fazendo uma
analogia, podemos dizer que a boa fotografia é qualquer fotografia no lugar certo.”
Em relação à publicidade , Chico Lowndes também é taxativo: “a boa fotografia
publicitária nem sempre é aquela premiada, mas é a que gira o produto na
gôndola, que constrói marcas, que tem relevância e gera impacto. O resto é
bobagem”.
Nem tanto.Também a fotografia publicitária pode ser o retrato de sua época e
permanecer na História. Na virada do Século XX, quando não se fazia ainda a
distinção entre fotografia aplicada e outras formas de fotografia – o que existia
eram apenas FOTOGRAFIA - os que acabaram por se tornar grandes mestres
não viam esse imediatismo na função da imagem, nem esse processo tão
descartável dou datado, mas sim uma forma de expressão tão importante quanto
a literatura.
Aliás, uma das funções da fotografia, desde seu inicio, foi criar nosso repertorio
imagético nos dar referências, ampliar nossa forma de ver e perceber o mundo,
nos trazer novos detalhes e nos deixar um legado de conhecimentos, não a
utilidade: “o conceito de bom está inevitavelmente ligado a uma expectativa de
desempenho, não necessariamente utilitário, mas com uma função especifica. A
fotografia boa em qualquer situação não é apenas uma boa foto. Ela vai ser uma
daquelas imagens-ícones do nosso acervo de referências, sobre a qual ninguém
mais pergunta onde, quando e como foi feita. Ela passa a ser uma excelente
imagem. Então, ela extrapola a própria fotografia como instrumento de linguagem”,
diz Rosely.
É o fato. Ver a fotografia como simples ferramenta, ou desconhecer sua história, é
diminuir seu potencial e não extrair o que dela existe de melhor: o de não ser
instrumento, mas ser ela própria objeto: “reconhecer qualidades especiais em uma
foto vai depender da estreiteza ou amplidão dos limites de cada um. É algo, em
certos termos, indefinível, que existe de modo diferente no sentimento de todo
individuo participante de um processo de troca de sensibilidade mediado pela
própria fotografia”, afirma Luis Humberto.
É a questão é complexa e difícil. Podemos nos lembrar de inúmeras imagens que
atravessaram o tempo (ao menos o nosso tempo), que sobreviveram a críticas,
que transformaram seus sentidos e significados, que adquiriram nova simbologia,
que desmentiram toda e qualquer teoria, que se transformaram no que podemos
chamar de clássicos: as imagens dos imigrantes feitas por Lewis Hine, a Paris de
Eugene Atget, a Nova York de Stieglitz e Steichen, a moda de Irving Penn, os
retratos de Richard Avedon, e muitas, muitas outras que deixaram sua utilidade de
lado e estão agora penduradas nas paredes das casas, dos museus, das galerias
de arte. “Na verdade, a boa fotografia existe como sobrevivente de uma trama de
julgamentos produzidos pelo próprio autor, pelos receptores e pela decantação de
todas essas avaliações ocorridas no tempo”.
Portanto, é bastante improvável que venhamos a obter uma definição do que seja
uma boa fotografia, mas todos os dias nos deparamos com o mágico encanto de
imagens que nos causam o prazer de uma inquietação renovada”, reflete Luis
Humberto.
EM TEMPO – Lembra Márcia Ramalho: “tenho dois amigos que brigaram comigo
porque queriam de presente uma foto feita para o lançamento de um cartão de
crédito”. Acabei dando uma cópia para cada um. Para minha surpresa, lá estão na
parede da casa deles.
É PARA SE PENSAR!
BIBLIOGRAFIA:
PERSICHETTI, Simonetta. O que é uma boa foto? Revista Referência
Fotográfica. São Paulo, nº 3, p. 5-8, janeiro/fevereiro/março de 2002
Postado em 10:58, 27 de maio de 2009 PDT (permalink

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